sábado, 28 de outubro de 2017

O ESTRANHO DA RUA 13.

O ESTRANHO DA RUA 13

Athayde Martins


                                Eu me chamo Paulo Cezar , mas pode me chamar de PC, é assim que sou conhecido pelos amigos e colegas de trabalho. por  uma dessas ironias do destino tenho como profissão a difícil tarefa diária de levar más notícias. É isso que faz o oficial de justiça,essa é a minha missão,diga-se de passagem nada agradável.
                                Evidentemente o meu cotidiano é recheado de ofensas e descontentamento, afinal, sou o que se pode chamar de visita indesejável e com minha  velha moto vou ganhando meu pão de cada dia de maneira honesta e nem sempre agradável.
                                Na minha cidade, como em várias outras do país, alguns bairros são por assim dizer, bem sinistros. Mas como o salário é bem razoável, não dá pra escolher e assim vou seguindo meu destino, cumprindo minhas visitas, previamente designadas pelo meu chefe, o Doutor Messias Dourado Matos de Albuquerque e Silva, cujo humor é de assustar até o mais otimista e sorridente dos profissionais de área.
                                No meu trabalho, convivo  diariamente com a Verinha, moça bonita que se desdobra pra pagar sua faculdade de direito, solícita sempre e  muita simpática o que dá um toque muito especial em nossas manhãs, principalmente. Tem o Juvenal, garotão ainda, uma espécie de faz-tudo na repartição, não rejeita serviço e nem faz corpo mole , parafraseando aquele famoso apresentador de TV, ele se vira nos trinta, mas dá conta do recado.
                                 Nossa equipe conta com Dona Matilde, a famosa mulher do cafezinho. Nossa alegria é ouvi-la ,principalmente nas segundas, contar suas aventuras e paqueras nas baladas de fim de fim de semana, invariavelmente do bailão de  forró. Ela nos conta suas aventuras e desventuras que ocorrem no rodopiar dos salões. Algumas outras figuras se destacam, como por exemplo o Sérgio, uma espécie de galã que não se inibe ao contar suas conquistas, ela se acha irresistível, faria inveja ao próprio Narciso.
                                  Mas na verdade é nas ruas que o bicho pega e o couro come. Saio para cumprir ordem  de despejo em  um bairro periférico, miseravelmente pobre com ruelas esburacadas e sem nenhuma estrutura dígna. Um desses descasos das autoridades municipais que autorizam aventureiros a vender terrenos para  pessoas honestas e trabalhadoras, que na ânsia para fugir do aluguel acabam caindo nessa tipo de cilada. Geralmente são cidadãos maus informados que na pressão doentia da sociedade, são obrigados a viverem de forma subumana e são vítimas de um sistema  cruel onde quem pode mais chora menos e prevalece a lei do mais forte, ou seja, aquele que possui certo poder aquisitivo que permite aquisição desses lotes onde constroem pequenas casas para alugar. Nesse caso, específico, o inquilino atrasou o aluguel e depois de muitas tentativas as negociações acabaram na justiça e aí entra  minha parte triste na história.
                                Paro minha moto diante do pequeno portão improvisado, de restos de madeira, hesito por alguns segundos e bato palmas. Uma senhora de certa idade, com vestido estampado e um lenço vermelho na cabeça . caminhando com dificuldades e lentamente vem me atender.Noto um ar de tristeza e preocupação no olhar dela:
                                Vai direto ao assunto:
-Se o senhor é vendedor, vai perder o seu tempo....
Não a deixo concluir a frase:
_Dona Maria Aparecida da Silva?
-Sim e o senhor quem é?
Clima tenso:
-Sou o PC, oficial de Justiça e tenho mandado de despejo. A senhora tem 24 horas para desocupar a casa.
                         A mulher chorando copiosamente senta-se numa velha cadeira e esconde o rosto entre as mãos. Quatro crianças saem da minúscula residencia e um deles, o mais velho, uns quinze anos, no máximo pergunta:
-O que houve vó, porque a  senhora está chorando?
                           Meu coração dispara, mil imagens povoam minha mente e por segundos perco a noção de tempo e espaço. Me recomponho e peço pra que ela assine a intimação. Com  as mãos trêmulas e lagrimas nos olhos ela mal consegue assinar. Guardo o documento na mochila e antes de ligar a moto olho aquela senhora e por instantes  me sinto terrivelmente desumano.
                             A vida continua, tenho outras visitas agendadas para hoje e meu dia está apenas começando.

Obs; Aguardem o próximo episódio.

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